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Os sertões, Euclides da Cunha




Canudos: a encenação do saber


Os sertões, de Euclides da Cunha, apresenta um terreno fértil ao estabelecimento de sintonias e antinomias entre a escrita concebida como traço autoconstitutivo e o discurso entendido como depositário de um real estranho à sua natureza. Traduzindo o primado de uma ótica informada pelo cientificismo característico do século dezenove, mantém, ao longo do seu caudaloso corpo, os aspectos marcantes dessa época, todos apontando para o primado da Ciência, elevada à condição de reino do absoluto, fornecedor da chave do conhecimento. Impregnado desse caldo de cultura – positivismo, iluminismo, materialismo, evolucionismo, determinismo e realismo –, emerge o relato nervoso, tenso, solene e militarizado do livro de Euclides da Cunha, cuja leitura coloca como uma das questões fundamentais ao seu deciframento a própria legibilidade do enunciado, ao retraçar em sua trama uma história segregada por um sujeito alheio, distante, deslocado e incapaz de precisar com nitidez os contornos do objeto sobre o qual se debruça numa esforço de compreensão, entremeado a um misto de espanto e indignação. Legibilidade embaçada por buscar noutro horizonte as letras de um universo excluído, onde circulam eternos habitantes do não lugar, as massas expulsas pelos atropelos de uma história cuja linha de mudança mantém-se classicamente fechada, passando de pai a filho, de Monarquia a República, de Velha a Nova República, em salões palacianos, gabinetes, antros do poder nos quais a escrita histórica transforma-se em rasura, rabisco, a grafar na esteira da inversão, da "mudança sem transformação", do malabarismo semântico-político, uma continuidade que se exibe como farsa, sucessão inequívoca de momentos do mesmo, do uno, do estático, do sempre, num impedimento obsessivo e violento do povo na construção de sua história.

Seguindo a ideia positivista de história e de ciência, o autor subordina a imaginação à observação e à busca de leis invariantes, num processo de homologia com os procedimentos das ciências exatas. Todavia, se há obediência à objetividade, à veracidade, ao rigor científico, à referencialidade, à explicabilidade, há um claro desvio da impessoalidade como uma das características fundamentais ao discurso rigoroso e fiel à reconstituição dos fatos, considerados sob o prisma de uma pureza que só o cientificismo historicizante poderia encontrar. Graças a esse afastamento dos cânones, surge uma aproximação entre o sujeito e seu objeto, fruto da perplexidade, do acúmulo de dúvidas, contradições e esgotamento dos limites do modelo seguido. A enunciação hesita a ideologia que diz e o narrador, profundamente embaraçado e preso à teia da objetivação máxima, naufraga a onisciência que se atribui, o poder fantástico, capaz de nomear a origem e o destino da terra, da flora, da fauna e do homem, o conhecimento e o domínio total sobre o enunciado, quando erra o alvo e dá voltas em círculos concêntricos sobre a natureza real e profunda da guerra na qual, consciente ou inconscientemente, desempenha importante papel. Evidentemente, não participa do teatro de operações apenas como correspondente de guerra, formulador da versão histórica de um dos lados da questão. É como estrategista do relato, tático das palavras, articulador da Campanha de Canudos no campo raso do papel em branco que a sua importância avulta. Nela, o narrador não recorre à enunciação objetiva como apagamento, marca da ausência, mas circula absoluto por todos os meandros, estabelecendo um discurso monológico e unívoco, uma escrita-denúncia – verdadeiro acerto de contas com a República que não lograra realizar efetivamente os ideais geradores de seu nascimento.

A preocupação com o levantamento científico da terra em que se desenrolam os acontecimentos leva Euclides da Cunha a recorrer às teorias científicas do seu tempo, buscando na inserção de citações na obra o aval sancionador da exatidão das informações fornecidas. Assim, desfilam ao longo de suas páginas os nomes de Eschwege, Lund, Huxley, Fred Hartt, Agassiz, F. Mornay, Wollaston, Herschell, Martius, Humboldt, Merton, Meyer, Trajano de Moura, Nott, Gordon, Nina Rodrigues (de quem foi aluno), Buckle, Bates, relação já extensa, porém incompleta, das figuras egressas do mundo da ciência, atuando no relato como testemunhas comprovadoras da justeza das observações do narrador. Essa preocupação com a documentabilidade da narrativa auxilia na construção de um modo de representação realista-naturalista. Além das provas científicas, o narrador exibe provas históricas e documentos diversos, incorporados ao seu relato, como a transcrição da carta de Pedro Barbosa Leal ao conde de Sabugosa (CUNHA, 1987, 41); trecho do livro de Irineu Joffily – Notas sobre o paraíso (CUNHA, 1987, 43) ; da obra de Draenert, O clima do Brasil (CUNHA, 1987, 57); circular do arcebispo da Bahia dirigida a seus párocos (CUNHA, 1987, 117); quadras do cancioneiro popular (CUNHA, 1987, 138-139). Esses exemplos vão apenas a título de levantamento da variabilidade documental, longe estão de esgotarem o estudo de sua utilização no corpo narrativo. Aliás, a minúcia com a qual o levantamento de fontes é mostrado em Os sertões revela com precisão o grau e o tributo pago por seu autor ao conhecimento científico de sua época. Dessa maneira, o texto vale pelo caráter mimético de que se reveste, reprodução vocabular do universo onde a história se processa. A linguagem, portanto, torna-se, instrumento de expressão do real, conduto da racionalidade, ferramenta a construir a imagem da razão.

A ideia kantiana de Aufklärung como um processo de emancipação intelectual resultante, de um lado, da superação da ignorância e da preguiça de pensar por conta própria e, de outro lado, da crítica às prevenções inculcadas nos intelectualmente menores por seus maiores (superiores hierárquicos, padres, governantes etc.), forma o substrato iluminista de um positivismo confundido com instrumento de inserção do intelectual na sociedade, dando um sentido utilitário imediato aos seus escritos. Daí o entrelaçamento entre vida e obra, a presença ativa do escritor nos lugares e tempos em que se situa a ação narrativa, a fusão de letras e luzes na tradução da literatura como forma de exposição dos problemas nacionais, conferindo ao ato de escrever um sentido missionário, pedagógico, civilizador.

Por trás de toda essa armadura de método e rigor, no entanto, corre, nas páginas de Os sertões, um "desespero acompanhado de secreto amor pelo homem heroico que resiste à tragédia de seu destino" (BOSI, 1969, 121). A escrita denuncia a chacina da massa aglomerada no arraial de Canudos através da encenação de um discurso solene, fatalista à maneira dos trágicos gregos e dramaticamente representado no palco dos condicionamentos imposto pela natureza ao homem.

A estrutura da obra assenta-se sobre um paradoxo fundamental: a tensão entre ciência e paixão, entre análise e protesto, conforme observação de Alfredo Bosi. Esse aspecto dilaceradamente contraditório, angustiado, trabalha em profundidade até as partes mais submetidas aos ditames do recorte científico, as numerosas intervenções da etnologia, da geologia, da antropologia, entre outros campos epistemológicos. A natureza, o mundo, o homem surgem plasmados numa expressão distorcida, lancinante, retrato vocabular da luta permanente da vida em seu exercício de existência. O relevo, o clima, a vegetação, o rendilhado litorâneo, as vastas regiões interioranas, os rios, tudo, enfim, é apresentado mediante um estilo áspero, brusco, nervoso, carregado de sofrimento, cuja figura central é o pensamento antitético, revestido sob a forma do oxímoro, assinalado com precisão por Augusto Meyer:

O jogo antitético percorre uma escala inteira de variações. O famoso oxímoron Hércules-Quasímodo daquela página que tanto nos impressionava no ginásio não é exemplo muito raro em Euclides, pertencem à mesma família paraíso tenebroso, sol escuro, tumulto sem ruídos, carga paralisada, profecia retrospectiva, medo glorioso, construtores de ruínas, etc. Pode-se escudar numa construção paralógica: os documentos encontrados em Canudos "valiam tudo porque nada valiam"; a cidadela "era temerosa porque não resistia" ou "rendia-se para vencer. (MEYER apud BOSI, 1969, 123-124)


Esse olhar hegemônico, perspectivando o real pelos filtros de uma hipersensibilidade, permite, graças ao conflito que se extravasa num jogo vocabular de contrários, enxergar Os sertões como "barroco científico", projeto que recorre à intervenção salvadora do estilo nas falhas do projeto científico.

Essa característica molda, ainda, a excessiva verborragia, o gosto pela riqueza vocabular exagerada, por um saber aparatoso e ornamental, próprios ao drama de Canudos que, em certos momentos, lembra uma bíblia cabocla, na qual a figura de Antônio Conselheiro pode muito bem assumir a conformação de um messias, encarnação sertaneja de Jesus Cristo, atuando sobre as massas rurais no plano da dimensão mítica, operando a conversão da racionalidade ilustrada numa arquitetura explicativa do universo, alimentada pela lenda, pelo equívoco do messianismo, pela ignorância e por uma hipnose e histeria coletivas, advindas da miséria e do abandono.

Suas partes constitutivas teatralizam vida e história, permitindo ler a parte introdutória – A terra – como metáfora do mundo físico impressa sob a forma de um palco, conformado e conformante do drama que nele se representa; a segunda parte – O homem – descreve a anatomia dos personagens, reduzidos, na verdade, a criaturas inferiores a tipos, apenas tópicos standartizados, figurantes da história cuja previsibilidade é escrita pelos efeitos da ação tecida, no fundo, pelo destino disfarçado sob determinismos de toda a espécie. E o último e decisivo ato – A luta –, espaço cênico onde a ação representa a existência como intensa e desigual medição de forças entre o homem e os elementos. No fio dessa história, os atores são soldados e guerrilheiros caligrafando a violência de arcaicas estruturas sociais. O diálogo é travado no campo de batalha, entre o progresso (o moderno equipamento bélico) e o atraso (as armas primitivas da revolta e do fanatismo). Portanto, tal como a presença feminina (na verdade, reduzida a suprimento das tropas), o diálogo impõe-se como ausência absurda e absoluta, atribuindo, todavia, um grau de extrema fidelidade mimética do relato na transcrição das relações sociais na sociedade onde atuam as forças beligerantes. A escrita faz-se sobre os corpos da história e o gesto de sua impressão é a forma final do conhecimento visto como a resultante de uma experiência, passagem do extinto às tintas do texto, formulação aprofundada por Walter Benjamin: "...é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível". (Benjamin, 1985, 207)

Em outra passagem, Benjamin reforça o caráter seminal da morte na produção do relato: "A morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que ele deriva sua autoridade." (BENJAMIN, 1985, 208)

Ambas confirmam o grau de domínio absoluto sobre o relato por parte do sujeito que possui a experiência. Com isso, contudo, não resolvemos o lugar do narrador na obra de Euclides da Cunha. O narrador, encarnação textual do autor, carrega a experiência de seu relato situado num ponto de grande opacidade. Em primeiro lugar, as contradições que agenciam uma luta entre os próprios elementos narrativos dificultam qualquer fixação. Em segundo lugar, no registro da reprodução histórica a condição de narrador está subordinada a uma posição lateral, à beira dos eventos, voyeur no máximo indignado com a carnificina. Em terceiro lugar, diz o que diz a partir de um centro situado num dos lados do confronto e sem acesso ao conhecimento real e efetivo do "inimigo". Em quarto lugar, tece o entrecho da narrativa com os fios de uma ideologia que se trai ao transparecer sua incapacidade de justificar-se diante de si mesma.

Portanto, a experiência (erfahrung) benjaminiana pressupõe o desnudamento da obra. Em Os sertões a própria inserção do texto resiste a qualquer tentativa, não se assumindo como romance, apesar da tese aproximada ao veio naturalista; crônica histórica; ensaio; relato de guerra. Serve, contudo, para que, ao estabelecer a morte como o ápice do drama, aponte para o caráter fechado de sua concepção. A morte, mediante seu caráter definitivo e absoluto, encerra o passado, a cessão do fluxo vital, coloca um ponto final sobre os acontecimentos e um ponto inicial à sua reconstrução pelo imaginário. Apresenta a vida completa, totalizada em todos os atos produzidos por seu sujeito. Assim, a reprodução do seu fluxo no fluxo do discurso vai além da fidelidade, da mimese, pois na base desse processo reprodutor repousa a cognoscibilidade, sem a qual o discurso não se diz. O cognoscível, quando advindo de extração direta, incrustado no ser pela experiência vivida, exercita-se soberano e onipotente, exibindo as marcas de seu poder absoluto sobre o enunciado. Esse projeto só pode ser expresso por um pensamento monológico, donde exclui-se o outro e do qual a univocidade, o primado de uma pseudo-objetividade intenta transmitir ao enunciado características advindas das categorias das ciências, distendidas num tal grau que acabam, por baixo do pretenso cientificismo, dos artifícios da notação verista e especular, no engendramento de simulacros, fantasmagorias, a versão como sinônimo da Verdade, a identidade pessoal como uma voz (a voz da Razão) que encarna o pensamento no seu ponto mais avançado. Conquanto inclassificável na tipologia dos gêneros, Os sertões possui um centro irradiador: a voz única que submete os dados do real ao ordenamento de um sujeito que não está nunca acima, fora, imune ao relato. Mas, ainda assim, não é o seu primado que dá a qualidade literária ao discurso, mas as lacunas, os hiatos, o tateio, as falhas por onde brotam as contradições da história.

Essa voz poderosa vem sob a forma do monólogo interno – na concepção de Bakthin –, forma do discurso indireto livre, permitindo a aproximação entre enunciação e enunciado ao afastar a presença de uma complexidade narrativa. A questão relacionada aos aspectos intrínsecos do relato não é central em Os sertões. O que importa é a utilização de uma técnica capaz de sustentar a tese de sua formulação. Compare-se a obra euclideana à versão sobre Canudos elaborada por Mário Vargas Llosa. Nesta há pluralidade narrativa e a linguagem não possui a dimensão aristotélica da mimese. As personagens (em A guerra do fim do mundo) são discursos. O movimento do romance é o cruzamento de enunciações diversas, sendo a ação entre elas a produtora da enunciação final. Esse movimento exige sua leitura como processo não linear, apreensão do significado disseminado ao longo do seu corpo, uma não sucessividade narrativa, ao contrário da epopeia euclideana, dotada da mesma natureza do romance monológico, no interior do qual o narrador atua como um arquipersonagem.
Ela dota toda a natureza de um intenso e incessante animismo, moldando-a como expressão dos sentimentos humanos. Por esse traço estilístico, o planalto central movimenta-se, os mares se assoberbam, o relevo desata-se em chapadões, o planalto é despido, figuras e imagens que se repetem incessantemente. Juntamente com a extrema preocupação vocabular, concessão ao gosto de uma época vibrando com adjetivações esdrúxulas e a colocação dos pronomes, surge, logo na primeira página da obra, o ufanismo retórico das elites republicanas: "...majestoso palco, justifica todos os exageros descritivos – do gongorismo de Rocha Pita às extravagâncias geniais de Buckle – que fazem deste país região privilegiada, onde a natureza armou a sua mais poderosa oficina". (CUNHA, 1987, 5)

O saber que se encena no branco da página está preso aos determinismos de sua época e à ideologia da classe dominante. A obra de Euclides da Cunha busca instaurar uma reflexão sobre a nacionalidade, voltando-se para o desconhecido e ignorado interior brasileiro, praticamente ausente de uma cultura cosmopolita, afrancesada e firmemente fixada na faixa litorânea e em suas raízes europeias.

No entanto, essa inflexão corresponde à necessidade histórica da burguesia em ampliar e desenvolver a estrutura produtiva do país, equivalendo à ampliação de suas fronteiras culturais, graças à incorporação do amplo contingente das massas rurais, das cidades interioranas, ao processo produtivo. Graças a esse ambiente, Os sertões constitui-se numa expedição literária ao Brasil desconhecido, por isso mesmo assume a forma de um romance-relatório, manual científico-literário de um universo cuja legibilidade exige acesso a outros códigos, diferentes daqueles com os quais a nossa elite dizia o mundo e se dizia. Seu relato guarda, assim, semelhanças visíveis e palpáveis com uma literatura de exploração, roteiro etnológico, geográfico, militar e dramático a uma inconcebível província denominada Canudos.

Referências

BAKTHIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BOSI, Alfredo. O pré-modernismo. 3ª. ed. São Paulo: Cultrix, 1969.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. 33ª. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.
LLOSA, Mario Vargas. A guerra do fim do mundo. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.

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